Trabalho há muitos anos numa agência de publicidade do estado de São Paulo, como diretora de arte. Trabalhamos em equipes dentro da agência, e cada equipe cuida das contas de um certo número de clientes – obviamente, são poucos, senão a coisa vira bagunça. Um dos nossos clientes mais recentes era um hotel que fica à beira do mar na praia de Maresias, litoral norte do estado, encantadora. E ele queria uma campanha para dar uma agitada durante a baixa temporada.

E baixa temporada em praia você já deve ter visto: os turistas somem, seja por causa dos filhos que estão estudando, seja por causa do frio. Brasileiro é um povo quente, e nem os mineiros são muito de praia durante o inverno (e olha que mineiro curte uma praia como ninguém)! Usar fotos da praia em panfletos de agência de turismo, em flashes na tv ou nas redes sociais não atrairia ninguém. Tínhamos que bolar uma coisa diferente. Minha equipe viajou até Maresias e se hospedou no tal hotel – diga-se de passagem, foi uma das viagens de pesquisa em campo mais prazerosas que já fizemos.

Sentindo o clima

As praias não costumam perder o encanto só porque estamos na baixa temporada, mas já sabíamos que a luz de Maresias no inverno era diferente. O céu esbranquiçado dava um tom meio místico às cores esverdeadas do mar e das plantas ao redor, normalmente inundadas da luz amarelada do sol de verão. Parecia o mesmo lugar, mas em outro universo, alguma coisa mais mística.

Fomos para lá no final de maio e voltamos no início de junho. Exploramos a praia inteira, cada barraquinha, cada mudança na força das ondas, reparamos muito bem nas pessoas, em seu comportamento naquela época, o comércio, os hábitos e até a famosa rua Sebastião Romão César, pra onde todos os belos jovens que curtiram a praia o dia todo levam seus corpinhos sarados para baladas que duram a noite inteira (sim, participamos de algumas). A praia de Maresias é algo único. Mas ainda não sabíamos muito bem como resolveríamos o problema da baixa ocupação do hotel fora de temporada.

Relatórios e reuniões infinitas

Nossa equipe trabalhava toda numa mesma sala, e isso facilitava nossas reuniões, conversas, troca de ideias e de farpas – e eventuais guerrinhas de bolinha de papel. Ou você acha que publicitário é sisudo e trabalha em silêncio? Deus nos livre! Mas é fato de que essas reuniões são mais sérias porque está todo mundo ali sob a pressão de gerar ideias utilizáveis e que vão resolver o problema do cliente.

Fizemos uma boa reunião da chamada “tempestade de ideias” (ou como dizem os colegas de Minas: “toró de pitaco” – que aliás, eu adoro!) e enchemos a sala de post-its com ideias soltas, relacionadas, descabidas, viagens longas em maioneses distantes… enfim, foi um verdadeiro despejo de produtos mentais de uma equipe inteira pela sala afora. Designers, redatores, sonoplastas, mídia digital, animadores, até a moça do cafezinho participou! E deixamos aquilo tudo exposto pela sala, que ficou uma baderna, durante uma semana inteira. Todos os dias, olhávamos para aquilo e deixávamos a mente fluir livremente entre uma ideia e outra – às vezes saía coisa que prestava, na maioria das vezes, não.

Por fim, a tal moça do cafezinho, Rita, jogou uma granada de luz no meio da sala: “o que eles comem em Maresias no inverno? Lá em Minas, todo lugar serve caldo, pra esquentar o corpo”. BUM!! A granada da Ritinha explodiu em milhões de arco-íris, pôneis e marshmellows. O pessoal deu um pulo, os olhos arregalados, caneta caindo no chão, copo de café entornando na mesa, foi um horror.

– Comida!!

– Gastronomia!!

– Culinária!!

– Bora fazer um festival gastronômico de inverno no hotel!!

(ufa, alguém precisava colocar a ideia em termos sensatos…)

Rita ficou dois dias sem aparecer na nossa sala, de tanto susto que levou! Achou que tivesse ofendido a mãe de alguém com a pergunta. Mas foram dois dias em que a gente não teria parado pra tomar cafezinho, de todo jeito. Chegamos a levar trabalho pra casa por gosto, de tão empolgados. Na semana seguinte, unificamos o trabalho de cada um, definimos o padrão visual e textual, a estratégia de divulgação, nos sentamos com nosso diretor geral e depois com o dono do hotel, que ficou maravilhado com a ideia e fechou conosco sem retocar nada (isso é milagre numa agência, pode acreditar!).

O festival foi um sucesso! O hotel quase esgotou as acomodações (e nós ganhamos participação no festival, como agradecimento) e, apesar de não ter ficado assim por toda a baixa temporada, aumento significativamente o orçamento da época.

Ponto pra Rita! Grande Ritinha! Que não foi conosco porque teve festa junina na cidade dela.

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